quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Antes de tudo acordar



     
     Pela madrugada, antes de tudo acordar, o pescador já ajeitava a rede de sonhos. Tratava de desembaraçar sonhos antigos, devolver ao mar sentimentos passados e ajustar o tamanho dos espaços para só trazer ao barco o que lhe era necessário. Demorou sua vida para inventar suas necessidades.
     Ao acordar antes do sol foi à praia, jogou a rede dos sonhos, empurrou o barco ao mar e saiu a remar.


domingo, 1 de novembro de 2015

Lida conjunta



    

      Dois marinheiros sobem ao pé do mastro, um pela manhã e outro ao final da tarde. O primeiro, primo do galo, puxa o grosso cabo que faz o sol subir pelo horizonte. Durante o dia é o olhar dos outros marinheiros que faz a estrela cruzar o céu. O outro, amigo da coruja, chega para ajudar o sol a afundar e grita para o marinheiro do navio, do outro navio depois do horizonte, para puxar o cabo. Mesmo nunca se encontrando os marinheiros dos crepúsculos sabem que tal trabalho só acontece se a lida for conjunta.



quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Atemporal





Olho o vento

A tempestade

O voo das gotas

O trovão

O silêncio dos pássaros

É atemporal

O temporal



segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Sereias





     Três sereias carpideiras conversavam à beira da praia. Conversas livres, sobre coisas da vida e do fundo do mar. Discutiam manobras de fuga das lulas gigantes, como afugentar os bons tubarões e jamais se aproximar dos outros. Alternavam-se em seus testemunhos das coisas que os homens jogavam na água, dos animais que se prenderam nas redes e dos perigos dos tsunamis. Riam-se das corridas com os golfinhos ao final da tarde. Assim passavam horas da vida a falar. Ao longe o navio sai do porto e elas, prontas de alma, se enfeitam de sedução, exercitam suas vozes, e saem a navegar atrás do barco. Cantam convites aos marinheiros, cantos de provocar desespero e saudade e os convidam a nadar. Três sereias carpideiras aguardam pacientemente a hora de chorar. Cada vez que um navio sai do porto fazem, ofício antigo, valer cada hora viva da persistência do marinheiro. Quando elas se aproximam demais do navio o comandante manda o marinheiro apitar.


domingo, 4 de outubro de 2015

Comandante Sabatié



Foi festa quando a canoa voltou do mar

Sem grande furo, cheia de história

Na praia todos em sorriso de menino

Os pássaros pousaram para olhar

Distraído da cena, o pescador

Rosto coberto de sal

Mãos, estrelas do mar

Agora, em algum lugar.



domingo, 27 de setembro de 2015

Encontros





O mar e a areia

O navio e a água

O olhar e o céu

Humano e o tempo

O sal e o ferro

A pergunta e a dúvida

A boca e o som

O ouvido e o silêncio

Os pés e o chão

As pernas e o balanço

A minha vida e a sua

Nós e o presente

A pressa e o passado

O cavalo e o marinho

O pensamento e a imaginação

Agora e nada mais.